Houve um tempo, como definiu certa vez um amigo, em que vivíamos em uma espécie de “shopping center” a céu aberto. A cidade era toda nossa. Acredito que quase isso.
Porém, muito mais que um shopping, era circo, feudo, família, uma grande e
divertida escola a céu aberto.
Todos um pouco poetas, artistas e seus diversos talentos e ferramentas, figuras
reais e caricatas. Aprendíamos a amar, a ser loucos, a sonhar. E era assim. A
juventude se unia aos mais velhos e juntos tomávamos conta de praças, de ruas,
da avenida, do pôr do sol.
O trabalho, a escola, as universidades de fora. Os retornos. Ah, os retornos.
Tudo parecia motivo para festejar. E era.
Dos bares mais chiques, aos botecos de vila, a diversão, a poesia, os sonhos,
devaneios fincados no desejo de estar feliz. A cidade sorria sempre.
No sorvete, no sorvete com cachaça, no suco, na cerveja, no pastel, no suor,
nos delírios e viagens.
No bilhar das madrugadas. Os lanches da Seleta, o cheiro do Big Box. O
brasileirinho do João. O pão da Popular, quentinho e enriquecido com a manteiga
direta da lata.
Como em um feudo, tínhamos clubes, escolas, festas temáticas, quermesses, charmosos
distritos, tínhamos também uns aos outros. Reunidos em uma casa ou simplesmente
sentados em algum banco de praça. Para jogar conversa fora.
Mesmo espalhados pelo universo, todos estavam de alguma forma ali presentes. Onde
você fosse no mundo, sempre tinha um de nós. E encontrá-los, sempre foi uma
festa.
Turmas de vez em quando se fundiam, se confundiam, orbitavam como faz os
elétrons para formar elementos. Pura química.
Motocicletas e carros velozes, novos ou não. Tínhamos o sol. As estradas de
terra. A água da bica. As sombras das árvores, a coruja da torre, o ninho do
urubu, a laranja chupada no pé, a goiaba madura no pé da serra, tínhamos a
estrada, braços extensos de nós, que nos levava e trazia de volta.
A pedra, uma escadaria em frente a um banco no centro da cidade, se tornava
palco, púlpito, ponto de encontro. Ali também nasceu o carnaval.
Tudo festa, até as rosas roubadas, as serenatas, os quintais cheios de frutas, que
acreditávamos também ser nossos. Tudo era nosso... sem maldade, sem prisão.
O sorriso no rosto se apagava somente quando um amor resolvia nos deixar. Ou
ainda mais profundo, quando algum de nós resolvia sumir para o outro lado do
véu. Nunca os esquecemos.
Mas no outro dia, mesmo combalidos, cacos reunidos, tudo começava novamente.
Me lembro bem desse tempo. Ele nunca saiu de mim. Eu vivo ele hoje, sempre em
cada detalhe. Não é saudosismo barato não. É presença.
Vejo hoje homens em crianças que convivi e reconheço jovens amigos em velhos
conhecidos.
Me vejo neles, percebo que temos algo em comum. Temos na memória, toda essa
magia que o tempo moldou.
Por Gerson Costa (Xá).